Você nasce, você cresce e você morre. É a lei da vida - ou ciclo - e felizmente ou não acontece com todo mundo. Todos temos uma história, cheia de vírgulas, parágrafos e enfim, os pontos finais. Acredito que alguma parte de mim no meio desse lixo todo que foi a minha vida, tenha se mantido intacta e foi justamente essa parte mais ou menos limpa, que se tornou um tanto quanto poética, por assim dizer, mas admito, que não creio que essa seja realmente a parte importante da minha vida, claro tive momentos empolgantes e excitantes, e que até mesmo poderia definir como perfeitos, mas é estranho sabe? Conforme o tempo passa, e o futuro se torna presente e consequentemente se torna passado, tudo parece mais bonito, e também perfeito, mas se você pensar bem, com um pensamento crítico e um tanto irônico, conseguirá admitir que na verdade tudo não passou de uma imperfeição dura e podre. Pois é John, acho mais fácil até conveniente te mandar isso assim, fico imaginando quando você chegar em casa, ver as minhas coisas espalhadas, os meus livros, os meus dvds, os meus discos, até mesmo os meus poemas - aqueles bem patéticos - e me procurar, e quando descobrir o que aconteceu, fico imaginando seu coração apertado, comprimido, pensando o que foi que você fez pra isso acontecer? Queria dizer muitas coisas, te explicar muitas coisas, pra que essa passagem foi fácil, tranquila, calma, não quero te culpar por nada, até porque admito e consigo conviver com o fato da culpa ser minha também, grande parte, acho que durante esse tempo todo você só fez aquilo que conseguiu fazer, o que nasceu pra fazer, e eu? Bom, eu passei grande parte da minha vida interpretando papéis, sendo uma verdadeira atriz, queria ser fonte de orgulho para os meus pais, você sabe dessa parte patética e não preciso te explicar ela novamente, até porque não quero, e se não vou te explicar as partes realmente importantes não vejo nada que me obrigue a explicar isso também. Esqueça, esqueça tudo que eu disse até aqui, é bobagem, acho que o meu lado sentimental finalmente decidiu se aflorar, justo agora, é o que eu penso, veja só eu sentimental, sensível e frágil? Acho que essa é a hora de eu ser um pouco como você John, nossa como eu te amei, não podia tirar esse fato da jogada, mas não abri mão de tudo, até porque você como eu ansiava tudo que eu fiz, todas as coisas podres, todas as atrocidades você as desejava assim como eu, ou até mais, eu sei que você esconde esse lado e tenta ao máximo fazer o papel de bom moço, bom filho, bom marido e o adjetivo que você mais gosta, bom pai. Era exatamente nesse ponto que eu queria chegar, sinceramente, é muito mais, como posso dizer? Cômodo, pra você e pro resto do mundo, a Broadway, é isso? Hollywood? Tratar disso no cinema, que os homens possuem defeitos horríveis, mas isso não importa, porque eles são bons pais, e esquecem que as mulheres que esperam malditos nove meses, que destroem seus corpos, que passam noites em claro e que estão lá sempre que os filhos precisam, você vai dizer, eu sei que eu estou sendo hipócrita porque eu sim fui uma péssima mãe, e uma mãe ausente por ser por demais ambiciosa, eu sei é verdade, a culpa é minha, sua e do Matthew e você estaria sendo fiel com a verdade, porque é essa a verdade, era mais cômodo ser maus pais e nos preocuparmos com nossos próprios problemas, e a pergunta que fica é o que acontecerá com eles agora? Não é sobre mim, sobre você ou sobre ele, ou sobre os nossos momentos, mesmo que eles - na maioria - tenham sido terríveis, não importa mais as festas, as drogas, os escândalos ou as surras, agora não fazem a mínima diferença e você sabe que estou sendo sincera, de uma forma que jamais fui. É falhamos e então no fim nos tornamos aquilo que juramos jamais ser, somos monstros. Eu sei o que você tá sentindo, um gosto de azedo na boca, o gosto do fracasso, falhamos com a melhor parte de nós, a mais pura, a mais importante, aquela que nós e ninguém mais, nem os nossos pais, nossas influências ou o monte de merda que fizemos das nossas vidas tem haver, algo que era para ser construído por nós, moldado por nós, e veja só, somos péssimos escultores. Esqueça isso também, não quero que se sinta pior que eu, nem que mostre isso ao Matthew e não pense que isso é pra poupá-lo, porque não é. Tudo bem, queria terminar isso como um beijo de boa noite, ou quem sabe até como uma daquelas noites intermináveis que tivemos juntos, tantas vezes, antes do fim, pense na melhor coisa que já fizemos, esquecendo as crianças, e se concentre nela, até esse gosto passar, e não esqueça, isso é importante, mantenha na mente, escreva num papel, caso no momento que estiver lendo isso esteja chapado demais, para ler depois novamente e manter gravado. Não importa o que fizemos, agora já está no passado, não dá pra mudar, eu te amo por tudo, até os momentos mais sujos e escuros, você foi um excelente companheiro, diga as crianças que eu as amo, mais do que a mim mesma e que vai ser sempre assim, mas diga que eu simplesmente tomei essa última decisão por não suportar de verdade ver a coisa mais bela que eu fiz se deteriorar diante dos meus olhos.
Hoje e sempre sua, Adele.