
Sou diferente. Não presto, e estou me confessando. Não sou religiosa, e tento passar a imagem de moderna e sem preconceitos, tenho certas virtudes e além de ser diferente, gosto do diferente. Me contradigo e não vejo graça em muitas coisas, tenho uma mente avançada, mas sou muito burra. Sou estranha, anormal, complicada, difícil. Tenho gosto estragado, e o que mais me satisfaz é o que não presta e o que faz mal, e causa dor.
Não conheço o amor, não sei amar e às vezes parece que quero que sintam pena de mim, gosto de me fazer de coitadinha, de infeliz e ao mesmo tempo de forte. Ninguém me entende, e meus pais dizem que eu preciso de análise. Não sei mais o que faço e às vezes tenho fortes crises suicidas. Muitas vezes arquiteto atentados contra mim mesma e até me odeio de vez enquanto e nem suporto a minha própria convivência. Não tenho fé nenhuma em mim, e estou sendo sincera, mas aos outros finjo, sou ótima atriz e isso eu tenho de admitir. Quero contos de fadas, filmes, e acredito que tenho necessidades iguais à de todo mundo, o que é mentira, elas, bom, posso condensá-las aqui: são amor, paz, sucesso, grandeza, ambições, dinheiro e essas coisas. Mas mesmo que eu tivesse tudo isso e sei que tenho capacidade para tais objetivos, se me esforçasse e me dedicasse, eu os alcançaria. Mas não, eu quero sempre mais, sempre alguma coisa falta, ou está errada, quero tudo certinho do meu jeito, sou perfeccionista com tudo e com todos.
Tem dias que me sinto isolada, sozinha, solitária, sem amor e mais ou menos como se ninguém se importasse se vivo ou morro. E quando me ligam, quando insistem em me ver, e dizem sentir saudades, falta de mim e da minha convivência, invento estórias, artimanhas, desculpas, qualquer coisa que me tire daquela situação, e os outros, os que sabem das minhas mentiras, e calúnias me xingam, dão lições de moral, complicam a minha vida e me fazem me sentir mal. E então vem a culpa, o remorso e o ódio que muitas vezes se vira contra mim mesma com toda a sua força, e então vem a loucura, a dor incontrolável na cabeça que me deixa zonza e me leva a nocaute, em campo de batalha. Quero ser livre, mas como gritar isso ao mundo? Como me fazer entender que não preciso de ninguém ao meu lado e que talvez eu seja mesmo muito auto suficiente? Ou louca de pedra? Como fazer com que isso entre em suas cabecinhas? Principalmente na dos meus pais. Tenho de ser normal e não querer ter filhos, um marido e uma casa bonita com animaizinhos e plantinhas, e por um acaso tem alguma lei que me proíba disso?
E porque afinal todos sentem pena de mim? Não sou digna de pena, só quero ficar sozinha e ser livre, e sei que serei feliz a minha maneira, não quero magoar, não quero machucar, desistam de mim, sou caso perdido, o que posso fazer? Tenho de admitir. E não, eu sei, sinto aqui, não amo o fulano, nem o beltrano se fosse só isso, talvez fosse bem mais fácil, mas a verdade é que não, não consigo e também porque eu simplesmente não sou assim. Essa pintura, esse livro, até essa moldura e assinatura não combinam comigo e nem com a personalidade que eu acho, finjo ou inventei pra mim. Nem sei mais quem sou, perdi muitas das minhas antigas características pelo caminho, não sei mais o que gosto, não tenho mais certeza alguma. E minha vida se resume num completo não sei, não tenho mais a intensidade de antigamente e choro toda a vez que penso que talvez eu tenha chegado naquilo que Caio detestava, um alguém que não se busca, que se lamenta, que se acostumou a viver e que talvez esse viver na minha vida tenha também se tornado automático, como se viver fosse qualquer coisa, um hábito, uma mania, algo que se tem de fazer ao levantar e despertar daquilo que poderia ser eterno, os sonhos.
Uma declaração, uma confissão, um desabafo, chame como quiser. Não sei como posso descrever ou denominar tudo isso, talvez seja mesmo um escrever como uma espécie de auto exorcismo, algo trancado no peito, na garganta, entre as cordas vocais e sempre algo ou alguém me impede de declarar tudo que eu sinto, tenho de me acostumar se quiser sobreviver, vivo num mundo de lobos, mesmo também sendo uma loba e sendo também a única em pele de cordeiro.